15 de fevereiro de 2021

Desamores e uma cabana

 


You put a big bird in a small cage and it will sing you a song

(Patrick Watson)

O confinamento pode ser uma oportunidade. De introspeção, reflexão, arrependimento, redenção, correção. Mas também de criatividade, numa perspetiva materialista e económica da coisa, sim, mas sobretudo no sentido puramente artístico. De uma forma que perpetue para sempre a marca do isolamento numa peça musical, por exemplo. Que use e transforme o confinamento, físico ou mental, como catarse ou exorcismo de mágoas, desencontros ou desamores. Fazendo do desespero, tristeza ou melancolia uma força inspiradora, capaz de criar momentos sublimes e eternos, venham eles de quem se isola numa cabana perdida nos confins do mundo para curar um desgosto de amor (Bon Iver), para recusar a civilização (Kevin Morby e a sua namorada Waxahatchee), para se ligar à natureza quase em sentido metafísico (Adrianne Lenker) ou para ganhar uma nova identidade artística (Taylor Swift). Ou de quem se confina no quarto para redimir tentativas falhadas de suicídio (Sarah Mary Chadwick), encontrar respostas a angústias de adolescente (Billie Eilish) ou a frustrações de jovem adulto deprimido (Nick Drake), lutar com fantasmas de dependência (Elliott Smith e Cat Power) e de esquizofrenia (Daniel Johnston) ou para fugir aos holofotes da fama e redefinir o seu posicionamento na indústria musical (Radiohead). 

No meu particular caso, o confinamento foi também uma oportunidade. Para me encontrar, nalguns casos reencontrar, com as vozes que, quais big birds na sua small cage (Patrick Watson), há muito procuravam, do seu mundo confinado avant la lettre, as asas que só o silêncio ou a quietude de outras cabanas lhes poderiam dar. Na sua companhia, muitos como eu terão aprendido ou reaprendido a viver em paz ou harmonia com a ausência de ruído. Muitos como eu terão recebido como uma dádiva a simplicidade de um som, de uma palavra, que dispensam a gritaria e o fogo de artifício para se fazerem ouvir. 

Resta-me, na minha humilde condição de mensageiro, espalhar a boa nova. A das inesperadas descobertas que a reclusão doméstica é capaz. E de quão consoladores, redentores ou inspiradores podem ser os encontros entre mundos confinados. Para quem ainda não foi tocado por essa graça, deixo uma amostra, das muitas que, estou certo, saberá encontrar se se dispuser a ouvir o canto das small cages. Basta tomar nota do ponto de encontro do percurso: Spotify, em Desamores e uma cabana by Diogo Leote. Sejam bem-vindos.



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