8 de março de 2021

INTERPRETAÇÃO DOS CLÁSSICOS #1: Black Maroon, Mark Rothko.

 

Não há nenhum autor que não falhe e, às vezes, o tiro ao lado é o mais certeiro de todos.

Assim se passou com os 9 quadros do Mark Rothko (1903-1970) que estão expostos na Sala Rothko na Tate Modern, em Londres.

Foram executados no final dos anos 50, sob encomenda, para o restaurante Four Seasons, no Seagram Building, em Nova Iorque.

A coisa correu mal, porque ao contrário das cores vibrantes dos seus trabalhos anteriores, a encomenda apresentava um corpo de trabalho coerente, mas intimista.

O azar do restaurante do Segram Building foi a nossa – minha –, sorte que já os vi por diversas vezes e espero voltar a ver em breve logo que nos tirem a pulseira electrónica do tornozelo.

Mais de 70 anos depois, e dada a relevância das obras, seguramente que ninguém me chamará herege se disser que este conjunto é um clássico.

Perguntar-me-ão, o que é que isso interessa?

Não interessa nada, apenas o facto de ter sido essa a génese do desafio que a nossa Triste Ana Vidigal me lançou, depois há dias ter havido uma elegante troca de mensagens no nosso grupo de WhatsApp, a propósito de uma exposição que tinha mais curadores do que artistas.

A conversa derivou para os clássicos e para a sua interpretação.

Ainda pensámos na Interpretação dos Sonhos, mas já tinha direitos de autor e de Freud só queremos o sobrinho. Também pensámos em Lapis Lazuli, por causa dos novos modelos censuriais (é mesmo assim que se escreve!), mas como quem manda somos nós, assim ficou: INTERPRETAÇÃO DOS CLÁSSICOS.

Penso agora eu, pode acontecer uma de duas coisas, ou a Ana V. (gosto tanto quando os autores ganham a dimensão de acabar o seu nome com uma letra e um ponto) e eu escrevemos cada um uma interpretação ou a coisa ganha um carácter de libertinagem e começam para aí a juntar-se Tristes aos molhos, como se não houvesse amanhã e é um vê se te avias.

E porque de introitos longos e pirosos está o inferno cheio, aqui vai!

Ao entrar o tempo para, sentamo-nos mal pudemos, a dureza da madeira polina é esquecida de imediato, a contemplação é imediata.

Tensão, calma, vibração, paz, melancolia, alegria, tristeza, memória, calor, frio, pressa, vagar, dor, inquietação, preto, contemplação, liturgia, prazer, inserção, imersão, entrega, graça, transferência, flagelo, princípio, alegria, refúgio, violência, carcere, mágoa, júbilo, vaidade, humildade, meditação, recolhimento, sagrado, profano, intimidade, silêncio, serenidade, vislumbre, desassossego, trevas, luz, génese, fim, percepção, pureza, equilíbrio, ritual, gozo, tempo, início, imaterial, hipnose, entrega, flutuar, viver, reviver, sobreviver, renascer, respirar, útero, casulo, abrigo, razão, introspeção, análise, inspirar, expirar, alarme, nudez, memória, nitidez, partilha, mundo, consciência, fé, força, telúrico, dimensão, conhecimento, liberdade, transmutação, alegoria, umbigo, ressurreição, paragem, sombra, alma, belo, lição, cosmos, solidão, resiliência, breu, ventre, humanidade, abismo. 


Black on Maroon, 1958, Tinta de óleo, tinta acrílica, cola têmpera e pigmento sobre tela, 2.667 x 3.812 m, Tate Modern

Nota: este Black on Maroon, é apenas um dos 9 magníficos da sala onde gosto de me refastelar nos bancos de madeira. 



15 de fevereiro de 2021

Desamores e uma cabana

 


You put a big bird in a small cage and it will sing you a song

(Patrick Watson)

O confinamento pode ser uma oportunidade. De introspeção, reflexão, arrependimento, redenção, correção. Mas também de criatividade, numa perspetiva materialista e económica da coisa, sim, mas sobretudo no sentido puramente artístico. De uma forma que perpetue para sempre a marca do isolamento numa peça musical, por exemplo. Que use e transforme o confinamento, físico ou mental, como catarse ou exorcismo de mágoas, desencontros ou desamores. Fazendo do desespero, tristeza ou melancolia uma força inspiradora, capaz de criar momentos sublimes e eternos, venham eles de quem se isola numa cabana perdida nos confins do mundo para curar um desgosto de amor (Bon Iver), para recusar a civilização (Kevin Morby e a sua namorada Waxahatchee), para se ligar à natureza quase em sentido metafísico (Adrianne Lenker) ou para ganhar uma nova identidade artística (Taylor Swift). Ou de quem se confina no quarto para redimir tentativas falhadas de suicídio (Sarah Mary Chadwick), encontrar respostas a angústias de adolescente (Billie Eilish) ou a frustrações de jovem adulto deprimido (Nick Drake), lutar com fantasmas de dependência (Elliott Smith e Cat Power) e de esquizofrenia (Daniel Johnston) ou para fugir aos holofotes da fama e redefinir o seu posicionamento na indústria musical (Radiohead). 

No meu particular caso, o confinamento foi também uma oportunidade. Para me encontrar, nalguns casos reencontrar, com as vozes que, quais big birds na sua small cage (Patrick Watson), há muito procuravam, do seu mundo confinado avant la lettre, as asas que só o silêncio ou a quietude de outras cabanas lhes poderiam dar. Na sua companhia, muitos como eu terão aprendido ou reaprendido a viver em paz ou harmonia com a ausência de ruído. Muitos como eu terão recebido como uma dádiva a simplicidade de um som, de uma palavra, que dispensam a gritaria e o fogo de artifício para se fazerem ouvir. 

Resta-me, na minha humilde condição de mensageiro, espalhar a boa nova. A das inesperadas descobertas que a reclusão doméstica é capaz. E de quão consoladores, redentores ou inspiradores podem ser os encontros entre mundos confinados. Para quem ainda não foi tocado por essa graça, deixo uma amostra, das muitas que, estou certo, saberá encontrar se se dispuser a ouvir o canto das small cages. Basta tomar nota do ponto de encontro do percurso: Spotify, em Desamores e uma cabana by Diogo Leote. Sejam bem-vindos.



5 de novembro de 2020

the trip - eileen myles

 





inspirada nas viagens de Jack Kerouack , Eileen Myles rola na extensa estrada americana acompanhada da sua familia -  um cão e quatro marionetas .

um magnifico documento de criação e poesia.

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