15 de maio de 2020

O ânus cantor

cartaz de Joseph Pujol, artista de uma só variedade, no Moulin Rouge

Flatulava como quem fala. E eu estou a falar – a ver se não me confundo – de Joseph Pujol. Podia descrever-lhe o rosto anguloso, o bigode farto e negro a contrastar com a palidez do rosto, mas seria confundir o cu com as calças. Não era para a cara de Pujol que seja quem for olhava.
Olhos no seu olho, a França contemplava e extasiava-se com o posterior do marselhês Pujol, que trocara o aromático calor do forno de uma padaria pelo palco do Moulin Rouge. O ânus de Pujol, como o de qualquer um de nós, tinha os seus suspiros. Expirava, portanto. A inexorável diferença é que não só expirava, como inspirava também. Como e quando ele queria.
E venham, convida-vos o patrão do Moulin Rouge, assistir à entrevista em que o contratou. Pujol disse-lhe que era capaz, bufando, de imitar trovões, o disparo de um canhão. O patrão anuiu, mas não se rendeu. Tímido, Pujol anunciou: “Bebo, por trás”. O patrão trouxe água e o ânus de Pujol sorveu com elegância um litro que, com igual elegância, logo depositou noutro vaso, talvez já com ligeiro odor de água sulfurosa das termas.
Puxava o ar para o recto e libertava-o usando os esfíncteres. Descobrira isso, adolescente, a nadar no mar, quando sentiu o oceano a inundá-lo. O primeiro espectáculo no Moulin Rouge foi um êxito quase mortal. Esmagada por um espartilho, uma abundante francesa, incapaz de parar de rir, tombou desmaiada e teve de ser socorrida. Passou a haver uma enfermeira em permanência. Pujol, o flatómano, entrava de capa vermelha, calças pretas, gravata e luvas brancas. Imitava o Terramoto de São Francisco, mas começava pelo envergonhado peidinho de menina de colégio de freiras, logo o calórico traque de um talhante, a seguir o melodioso flato da noiva saciada em noite de núpcias, culminando na majestosa bufa de 20 segundos da costureira a rasgar dois metros de chita.
A essa introdução, e após mudança de roupa, nos bastidores, para umas calças com abertura apropriada, Pujol, com ventosidade bem medida, apagava velas a quase meio metro de distância. Deixava que o seu heterodoxo traseiro fumasse um pensativo cigarro e colocava, então, um tubo de borracha no seu órgão, canoro como ouvirão, ligando-o a uma ocarina. Tocava o tão lírico “Clair de Lune”, primeiro, logo depois o “O Sole Mio”, que o público, por lhe faltar rabo para mais, acompanhava a plenos pulmões. Em dias patrióticos, Pujol, ou essa parte dele de que não direi o nome para não enxovalhar a França, tocava a “Marselhesa”. Nestes nossos desditosos tempos de confinamento, Pujol teria vindo a uma varanda de Lisboa, prodigalizar a este povo sedento de ar puro um concerto de límpida analidade, entoando talvez os acordes do “Cheira bem, cheira a Lisboa”.
Em suma, Joseph Pujol, peidando-se das 8 às 9, foi durante anos a vedeta mais bem paga do Moulin Rouge, ganhando três vezes mais do que Sarah Bernhardt. Vinha vê-lo a realeza, o príncipe de Gales e o rei da Bélgica. Estarrecido com o prazer e o domínio que Pujol detinha dos seus esfíncteres, admirava-o o erógeno Sigmund Freud, então fixado na sua fase anal.
Pujol abandonou o mundo do espectáculo na I Grande Guerra, da qual dois dos seus filhos vieram inválidos. Sem ironia: a dor silenciou Pujol. Escolheu voltar ao cálido remanso da sua padaria. Morreu em 1945, soltando sabe-se lá que suspiros. A escola médica da Sorbonne quis comprar-lhe o corpo, fixada, é claro, no estudo do petit trou encantado. Os filhos recusaram. Consta que terão dito: “Há coisas na vida que devem ser tratadas simplesmente com reverência.”
Crónica publicada no Jornal de Negócios



2 comentários:

  1. O VALOR QUE O PEIDO TEM
    O peido é bom toda hora
    Sem peido não há quem passe
    A criança quando nasce
    Tanto peida como chora
    Um peido ao romper da aurora
    Eu não troco por ninguém
    Há noites que eu solto cem
    Peidos grandes e pequenos
    Já conheço mais ou menos
    O valor que o peido tem

    Um velho já moribundo
    Nas agonias da morte
    Soltou um peido tão forte
    Que se ouviu no outro mundo
    O peido gritou no fundo
    Que só apito de trem
    O velho sentiu-se bem
    Levantou-se no outro dia
    Dizendo a quem não sabia
    O valor que o peido tem

    Pela porta do bufante
    Para não morrer de volvo
    Diariamente eu devolvo
    peido grande a todo instante
    O sujeito ignorante
    Não me compreende bem
    Fecha a porta do "sedem"
    Deixa o peido apodrecer
    Esse morre sem saber
    O valor que o peido tem

    Um peido silencioso
    Por baixo de um cobertor
    É tão grande o seu valor
    Que descrevê-lo é custoso
    Cheira mais que o mais cheiroso
    Vale de Jerusalém
    As roseiras de Siquem
    As savanas do Saara
    Nada disso se compara
    O valor que o peido tem

    Ofende muito a pressão
    peido grande encarcerado
    Deixa o corpo aliviado
    Depois que sai da prisão
    As veias do coração
    Controlam-se muito bem
    Sente o coração também
    Uma alegria sem par
    Ninguém sabe calcular
    O valor que o peido tem

    Uma dor que faz mudar
    A cadencia dos ouvidos
    São os peidos recolhidos
    Que você não quis soltar
    Não vá se... prejudicar
    Em respeito a seu ninguém
    O velho Matusalém
    Quase mil anos viveu
    Porque toda vida deu
    O valor que o peido tem

    Um negro foi se casar
    Ou se casava ou morria
    Peidou tanto neste dia
    Quase derruba o altar
    A noiva foi reclamar
    Findou peidando também
    O padre disse meu bem
    Ninguém dar mais do que eu
    O valor que o peido tem

    Peido azedo de água soda
    Fede a casca de limão
    E de jabá com feijão
    Passa folgado na "roda"
    Peido nenhum se encomoda
    Com censuras de ninguém
    Presta um favor quando vem
    Aliviar quem padece
    É quando a gente conhece
    O valor que o peido tem

    Peido fedendo a chulé
    Num samba de madrugada
    Sai com tanta misturada
    Que ninguém sabe o que é
    Mais um peido de Pelé
    Jogador que vive bem
    Passa veloz no vintém
    Não há goleiro que pegue
    Nenhum bom juiz que negue
    O valor que o peido tem

    Que prazer eu não teria
    Se um peido se apresentasse
    Bem fedorento e peidasse
    Deixando a fotografia
    Mas o peido não confia
    Nos olhos de seu ninguém
    São mistérios do além
    Não posso compreender
    Mas vale a pena saber
    O valor que o peido tem

    Um peido em pleno verão
    Cheirando a cú de veado
    "Tava" sendo arrematado
    Numa festa de leilão
    Quando chegou num milhão
    Não quis mais gritar ninguém
    Naquilo o prefeito vem
    Dizendo a honra me cabe
    Minha prefeitura sabe
    O valor que o peido tem

    Dizia o velho Abranhão
    Para seu neto Isau
    O peido agradece ao cú
    Depois que sai da prisão,
    Peidava um tal de Sansão
    Pelado, e cego de guia
    Temendo a onda bravia
    Moisés peidou no oceano
    E o papa no Vaticano
    Só peida uma vez por dia

    Alguém disse que Jacó
    Quando casou com Raquel
    Passou a lua de mel
    Peidando de fazer dó
    Esse parente de ló
    Era genro de Labão,
    Davi, pai de Salomão
    Poeta, Rei e pastor
    Peidava fazendo amor
    Na cama fria do chão.

    O homem velho esmorece
    Assim que a noite aparece
    Se deita e faz uma prece
    Lá num canto da parede,
    Meia noite se levanta
    Com secura na garganta
    Pega um caneco de "frande"
    Vai ao pote mata a sede
    Solta quatro peido grande
    Volta cegado prá rede.

    Peido fino é safadeza
    Peido alto é cretinice
    Peido suave é meiguice
    Peido baixo o é sutileza
    Silencioso é firmeza
    Peido brando indica paz
    O grosso é dos anormais
    Sempre indica frouxidão
    Mas chegando a perfeição
    O homem não peida mais.

    (Otacílio Batista Patriota)

    https://www.escritas.org/pt/t/3688/o-valor-que-o-peido-tem

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