21 de setembro de 2020

Para a Rita perceber

“As Desgraças da vida, são a alegria da arte

 

Take 1

Obladi obladá, era a época do gelado Rajá.

Nasci no nº15 da Avenida António Augusto de Aguiar a 6 de Agosto de 1960 e a coisa mais radical que fiz nessa década foi receber o Prix de Turbulence no Liceu Francês Charles Lepierre, ainda as Amoreiras eram mesmo para apanhar as folhas que alimentavam aquelas lagartas que tínhamos em caixas de sapatos e que eram os únicos animais que a minha mãe permitia que coabitassem connosco. Os bichos-da-seda.

Já nessa altura dizia que queria ser pintora talvez por ter sempre à mão canetas de feltro, lápis de cor, de cera e lapiseiras (uma infância Caran D’Ache…).

Nunca gostei de aguarelas e tinha queda para os guaches que espremia com especial gozo.

Apaixonei-me por uma tesoura mais ou menos por volta de 1967 e até hoje ela tem sido a minha mais fiel companheira (só a traí em 1998 quando resolvi fazer uma exposição sem uma única colagem. - não gostei da infidelidade.) Lembro-me de recortar a Jackie Kennedy das páginas do Paris Match e acho que foram essas as minhas primeiras colagens

Para ver se ganhava algum prémio de jeito ou domar a minha indisciplina passei a frequentar o colégio ao lado, o Externato do Parque das Irmãs Doroteias onde passei então a década de 70 a fazer desenhos tipo “Amor é” e naturezas mortas psicadélicas, influência do grafismo da época e da leitura voraz da revista “Schoner Wohnen” (o meu período Rotring…)

No dia 25 de Abril de 1974 não percebi muito bem o que estava a acontecer. Mas calculei que a coisa não fosse má, pois a televisão mostrava muita gente bem disposta nas ruas e eu sempre gostei de festas.

Mas não saí de casa, vi a revolução pela televisão a preto e branco, de robe aos quadrados escoceses, um pouco estupefacta com tanta gente sorridente, “Chaimites” e G3 com cravos.

O meu percurso político também é um pouco peculiar, venho da direita para a esquerda, o que não é de estranhar, pois nenhuma adolescente desinformada como eu era, gosta de um dia para o outro perder privilégios.

Mas rapidamente percebi que me tinha saído a “Sorte Grande” e li tudo o que me apareceu à frente.

Passei da “Colecção Azul” às “Novas Cartas Portuguesas” enquanto o “diabo esfregou um olho.”

Tão depressa como passei dos rios de Angola à Revolução Cubana cheguei aos anos 80.

Entrei na ESBAL em Janeiro desse mesmo ano e percebi que tinha começado a minha vida de adulta.

 

Take 2

Obladi obladá já não há gelados Rajá.

“Travelling”,” Peeping Tom”, “Mary Smith born in 1989”, “Notorius”, “Tous les chiens de ma vie”, “Phoenix, Arizona”, “O telefone acordou-a às 5.30 da manhã”, “Coats and Clark”, “Casual”, “Besoin d’une jolie fille pour mercredi”, “Insípida”, “Os domingos passaram a ser dias suportáveis”, “Este ano o tempo é que se atrasara, mas eles eram pontuais”, “Elisabeth Alione teve um estremecimento”, “Trois chiens rouges”, “Imbecil”, “ La vengence d’ une blonde”, “Bad day at Black Rock/ Vera Cruz (sessão dupla) ”, “Estrada 175 Norte”, “Cianeto”, “She was a visitor”, “Quebec”, “Peneirenta”, “Pick my box”, “Entre mim e os meus botões”,”Sonso”, “Finalmente”, “ Um, dois, três macaquinho do chinês”, “Aborrecida”, “Bavarder”, Mr and Mrs Donuts”, “Glum”,

“Sem título – colagem”, ”Top hat”, “ Branca de Neve I”, “Branca de Neve II”, “Branca de Neve III”, “Inconfidência”, “Orgulho e preconceito”, “Pourquoi faire simple, quand on peut faire compliqué?”, “Austrália”, “ To have or have not”, “ December the coolest Month”, “I’ve never expected you to come”, “A glimpse”, “Still”, “Colecção Cinema”, “By friends and enemies alike”, “Beija-me idiota”, “Ménage à trois”, “Woman’s work is never done”, “Ao lado de uma menina limpa há sempre uma menina suja”, “Tudo isto e o céu também”, “Madalenas”,”A minha desordem é o meu capricho”, Inaparente”, “Para antes do esquecimento”, “Enquanto Tarzan dormia”, “Super Pop”, “ A maravilhosa tendência para o desastre”,”Janela indiscreta”, “Unforgiven”, “She”, “Ouça-a”, “Acabo de cair da bicicleta”, “Sou uma pessoa pouco sociável”, “Uma rapariga turbulenta”, “Mas”, “Coração Burro”, “El dolor de Lolita”, “Tornei-me feminista para não ser masoquista”,”Acredito ter mãos, acredito ter boca, quando só tenho patas e focinho”, “É – me”,” Agora és minha”, “Não pretendo respostas inteligentes para tudo”, “Nada a fazer”, “Nada a dizer”, “Nada a acrescentar”.

 

Pinto há 26 anos, a última pintura que fiz chama-se, “ O treino da generosidade”

 

 

Texto publicado no Jornal de Letras

Escrito em dezembro 2007 

 

ADENDA: agora pinto há 40 anos, e tenho mais "resmas" de títulos para escrever textos 





6 comentários:

  1. ah! apetece-me dizer "agora sim" :-) mas não digo.
    peço:mais!!!
    :-)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. eheheheh dia 1 de outubro, no Viera da Silva. Mas farei chegar o convite a V. Exae ao resto das alegres tristezas.
      O Covid não me deixa fazer uma festonga...

      Eliminar
  2. Gostei muito, muito, muito.

    ResponderEliminar
  3. Uma vida.Passo a passo.
    E muito papel e tinta.
    E gelados ainda há?

    ResponderEliminar

Must