25 de março de 2020

Liberdade, liberdade

Imagem de Harvard Business Review.



liberdade, liberdade

Estamos imersos em informação, e desinformação, sobre o coronavírus. E porque não sou médica, nem de saúde pública, nem de investigação em qualquer área sequer tangente, limito-me a seguir as directivas da OMS e a observar. E o que observo é isto. O mundo fechou portas e abriu, de facto, as janelas do online. Sei: vivemos um tempo único na história. Há um antes e haverá um depois. Não por causa desta pandemia. Mas porque ela é o efeito desencadeador do futuro como o havemos de o conhecer. E porque ele ainda é embrionário podemos, devemos pensá-lo, co-criá-lo. Explico sumariamente.

Sempre li tudo. Romance. Poesia. Ensaio. E policiais, espionagem, banda desenhada. A imprensa e ficção científica. O bom, o mau e o assim-assim. Encontra-se, por vezes, grande pensamento em péssima semântica e sintaxe duvidosa - e vice-versa, o que é muito mais grave pois impressiona o indígena, como diria o tio Eça. Ora, as distopias, em boa ou má literatura, de qualquer género ou proveniência, não são apenas a elaboração do futuro, construídas sobre os nossos passados políticos e sociais somados a fantasias culturais, tecnológicas e científicas assustadoras. São também um indicador e uma moral.

Vivemos em democracia. Não vivemos uma distopia, a menos que estejamos diante da televisão ou do ecrã a ver The Handmaid´s Tale. Ou a reler Orwell. Mas neste exacto momento, estamos também com um pezinho em The Island, o filme, e outro em Foundation, de Asimov, e a respirar os ares de 2084, de Sansal Boualem. Porquê?


E vimos os resultados deste tipo de comércio no palco político. Trump, Bolsonaro, e criaturas afins, são a directa consequência da informação que partilhamos sobre nós, livre e voluntariamente. Os dados são armazenados e tratados e utilizados em cada recomendado para si, funil onde estreitamos o próprio pensamento e consequentes acçõesSeja um livro, um vídeo, um restaurante. Somos o que pensamos. Acrescentaremos agora, hoje e nos próximos sete anos, os dados que faltam. Os de saúde como em The Island. Exactamente o que a China já está a fazer com os residentes de Hubei, desde a geolocalização à temperatura corporal. E nós também, apenas não os estamos ainda a facultar às autoridades - quantos lances de escadas subiste hoje, Guilherme? E os do trabalho. Estamos na génese da nova revolução. Estamos a produzir, voluntaria e involuntariamente informação maciça. Começou a revolução laboral – ripple effect ainda incomensurável. A partir daqui, muda tudo. Se podemos produzir a partir destas pequeninas unidades em que vivemos, porque continuaríamos em estruturas gigantescas de elevadíssimos custos e consumos? E quem seremos, quem poderemos ser neste equilíbrio precário entre a atomização e a super-consciência, o super-cérebro em rede? E como?

Paradoxalmente, talvez o meu fascínio por distopias me afaste do cinismo e do pessimismo. Ao contrário do apregoado não é, nunca foi, o darwinismo social o gerador de grandes e benignas mudanças ao longo da nossa história, foi, sim, gerador de grandes catástrofes, felizmente, auto-circunscritas: inquisição, nazismo, estalinismo... A cooperação conduz a alterações de paradigma de outra natureza, e duradoura, e tem promovido o aumento da escolaridade média, da média de vida, da riqueza per capita, da igualdade de género. O crescendo civilizacional é inversamente proporcional aos vícios de poder dinásticos, mais ou menos nepotistas, autocráticos, narcísicos, mais ou menos corruptos.

Este é o tempo de nos pensarmos de forma global e isso pede-nos responsabilidade pessoal, social, e maturidade política. A democracia, sabemos de cor, é, e continuará a ser o pior regime, mas não há outro melhor.

6 comentários:

  1. ...é verdade. A minha Alexa ouve tudo o que digo. Qualquer dia...o que penso.

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  2. 0 (ZERO)! Hoje nada Eugénia. Que texto bom, o recato, cada um com o seu devido à necessidade de cada um, é necessário! Agora ter os olhos abertos, isso sim é sem dúvida uma necessidade absoluta e actual.
    Há dias, aqui, falei da liberdade que se perde paulatinamente. Atentos!

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  3. Gostei mesmo muito desta tua função matemática - também ela exponencial curiosamente: "O crescendo civilizacional é inversamente proporcional aos vícios de poder dinásticos, mais ou menos nepotistas, autocráticos, narcísicos, mais ou menos corruptos."

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