11 de abril de 2020

Doente, imoral, neurótica


Nem em 1957 nem em ano algum! 

Diário – tempo de pandemia – Em Casa 04

doente, imoral, neurótica

Na revista do semanário Expresso de hoje, sábado, 11 de Abril de 2020, O Regresso da Família Alargada, antípodas do que sou e construo, um belíssimo artigo de David Brooks, assim mesmo a man after my own heart… como a Bíblia se infiltra até nos lugares comuns do pensamento onde processamos sentimentos: I have found David the son of Jesse, a man after mine own heart, which shall fulfil all my will.

Estou de relações cortadas com Deus e a igreja Católica Apostólica Romana desde a Páscoa do ano passado. Nem prevejo reconciliação: esgotei todo o stock de catolicismo praticante, não conheço outro, e não houve reposição sequer dos alimentos básicos: obediência, fé. Ao requisito de indiferenciação, ali tão bem demonstrado no cumprimento de toda a Sua Vontade, insaciável, até à morte em cruz, digo não – talvez não nos salvemos de ir ao tapete, e talvez também ninguém nos salve de ir ao tapete, mas se é para cair, seja sempre a lutar. Aceite quem possa a rendição. Eu não. Porém à Bíblia, livro fundamental, digo sim. Sempre disse. É a casa mãe de um poeta acima de qualquer outro dos lugares canónicos - e são tantos e de tão diferentes proveniências os textos pão, matriciais para a síntese entre o oriente e o ocidente do pensamento.

David Brooks escreve no New York Times e em The Atlantic. É professor e comentador. Um conservador moderado que integra princípios liberais e, como muitos republicanos, em rota de colisão com Trump desde o primeiro momento. Discordo dele com regularidade suiça, a mesma com que concordo - talvez porque não sou Deus a diferença alegra-me e desperta-me. David Brooks é sensato e moral, duas virtudes de pouco sex appeal, dizem, eu discordo, mas estruturantes como a coluna vertebral. Sempre gostei de gente assim, opostos dos easy riders. Fazem-me muita falta. Talvez porque a criatividade precisa de transgredir e destruir, processos que o buraco negro da anarquia engole e não permite. 

O capital de criação é igual ao potencial de destruição. Este caos, para ser funcional, precisa de ordem. Afinal, e de acordo com a sondagem que ele refere no texto, a de 1957, maioritariamente, os solteiros eram vistos como «doentes, imorais ou neuróticos». Check. Check. Check.




4 comentários:

  1. Eugénia, eu que tenho o sêxtuplo de anos de solteiro dos que já levo de casado, posso dizer com propriedade que nunca fui doente nem neurótico. Se fui ou não imoral, isso já não ponho as mãos no fogo.

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    1. Diogo, eu que tenho o quádruplo de anos de solteira dos que tive de casada, posso dizer com propriedade que fui quase sempre saudável e monotonamente moral. Não ponho as mãos no fogo, mas não serve à escrita - já uma neurosezinha...

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  2. Há um retrato interessante (ó que raio de palavra) da família normal americana: O Rebel Without a Cause, do Nick Ray, como o James Dean e a Natalie Wood. Não bate com o Brooks, mas o cinema também não é para bater com nada. E faça o favor de voltar a falar com Deus, antes que ele desatine.

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  3. Oh, isso é tão bom... Acho que vou rever!

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