Walter Wanger e Joan Bennett
O produtor Walter Wanger puxou da pistola e, logo ali, em
pleno estúdio, espetou um balázio no agente Jennings Lang que tombou redondo,
mas não morto. Um só tiro. Por honra da firma.
Perdoem-me os leitores mais sensíveis começar à bruta, mas
já vão ver que vem aí teoria selecta.
Wanger, que o produtor pronunciava como se pronuncia danger,
por gostar da rima viril, produziu obras-primas como “Stagecoach”, de Ford,
“Scarlett Street”, de Fritz Lang, ou o “Foreign Correspondent”, de Hitchcock.
Foi grande ao pé de gente grande. Levou para casa, também, uma obra-prima, a
belíssima actriz e mulher que era Joan Bennett. Bennett foi de uma beleza tão
nocturna como clandestina em quatro filmes de Lang, e em filmes de Renoir e
Ophuls.
Era a criação de Wanger. Fora ele que a pusera morena,
conferindo-lhe o mistério e a figura que a atiraram para o estrelato. Wanger
fez-lhe a carreira. De repente, em 1951, aparece um finório advogado de Nova
Iorque, armado em carapau de corrida, convencendo Bennett a assinar um contrato
com a MCA, uma agência de actores. Wanger não foi de modas. Acusou este Lang de
andar enrolado com Bennett. Foi-se a ele e resolveu a coisa a tiro. Lang
sobreviveu com um tiro na coxa, o casamento de Wanger e Bennett também, por
mais 25 anos, e o produtor, invocando loucura temporária, passou quatro
refastelados meses na cadeia.
É esta loucura, temporária ou não, que às vezes falta à
teoria. Sobre as artes em geral, e o cinema não escapa, há uma indústria da
teoria que parasita as obras sem precisar delas. Faço-me de ingénuo e
digo-vos: para mim, não há cinema, o que há é filmes. E dentro dos filmes há
cenas, planos, actores, um décor que nos esmaga, uma certa luz que nos
arrebata. Depois, já menos ingénuo, confesso que não deixo de ter uma teoria.
Em boa verdade roubada a Truffaut e ao artigo (os dele eram sempre bons)
em que disse: “O cinema é fazer coisas belas a mulheres belas.” Era
o que Wanger pensava e não me venham dizer que levou as coisas longe de mais.
Sobretudo, não me venham dizer que é possível criar tamanha
e tão estarrecedora beleza sem um sobressalto físico. O amor de Godard pelos
tremendos olhos de Anna Karina, o de Antonioni pelos eclipses de Monica Vitti,
o de David O. Selzenick pela ardente Jennifer Jones, provam que, afinal, o
amador se funde sempre na coisa amada: na vida por causa do cinema.
“Marlene Dietrich sou eu”, disse, sem a menor ambiguidade,
Josef von Sternberg, o pequenino homem que fez do rosto da Dietrich uma
combinação de angulosa beleza e perdição. Tinham, juntos, no plateau, os
êxtases – lembrem-se de “Morocco” ou de “Dishonored” – que na vida Sternberg
algumas vezes viu fugir, prodigalizados por Marlene a outros amores
tempestuosos. Wanger teria gasto o carregador da pistola.
Ó Manel, pistola nao digo, porque ando desde pequenino a aspirar a cavalheiro, mas bengala devíamos usar amiúde!
ResponderEliminarMeu Deus tantas histórias!
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