26 de abril de 2020

(1) The Wall




Fui desafiado para escolher os 10 álbuns da minha vida. Os que mais me marcaram entenda-se, o que tudo diz quanto à subjetividade das escolhas. Não se trata aqui de fazer uma lista dos "melhores" ou sequer dos que mais gostei ou ouvi pela vida fora. Simplesmente, apontar aqueles que, por uma razão ou outra (e haverá algumas até inconfessáveis), mais influenciaram ou condicionaram o meu modo de vida e as minhas seleções musicais (e até mesmo literárias ou cinéfilas). Os meus ressentimentos, raivas e ódios (sempre de estimação). Os meus amores, paixões e companhias. Os meus laços de afinidade, empatia e de pertença. A minha "tribo" ou "tribos".
 
Para o disco n.º 1 não vou inventar porque foi o primeiro a marcar-me até ao tutano: The Wall, dos Pink Floyd, lançado ao público em novembro de 1979. Enfim, soube-se depois que o álbum era mais de Roger Waters do que dos restantes companheiros de banda. Que terá sido até o rastilho para a guerra de egos entre Waters e David Gilmour que então se instalou e que acabou por precipitar a saída do primeiro depois de The Final Cut, o álbum que se seguiu a The Wall, e que foi, aliás, apresentado como um refugo (mas um refugo de primeiríssima qualidade, diga-se) do que não coube neste. Tinha eu 12 anos e o meu pai, que nunca foi doido por música (ao contrário do filho), que não era sequer seguidor dos percursos até então percorridos pela banda, decidiu-se a comprá-lo. Num formato cassete, como era próprio, naqueles tempos, de quem não era colecionador de peças musicais. O "Another Brick in the Wall, Part 2" fazia-se ouvir em todas as estações de radio e a sua mensagem constituía um apelo irresistível para qualquer jovem em idade escolar. Daí até me agarrar com sofreguidão aos traumas de Pink, uma rockstar que funcionava como um alter ego do próprio Waters, e à construção metafórica do muro ("The Wall") que o isolou do mundo, foi um ápice. As canções sucediam-se, ora grandiosas, ora intimistas, ora explosivas, ora operáticas, e eram tão perfeitas no seu encadeamento e tão musicalmente arrebatadoras para quem nunca tinha sido ainda verdadeiramente tocado pela força da música, que, mesmo antes do filme homónimo de Alan Parker, um pré-adolescente como eu se viu, pela primeira vez na vida, dotado de um poder quase sobrenatural (aos seus olhos e ouvidos ingénuos de então) de transformar em imagens um sofrido lamento vocal, um poderoso acorde de guitarra, o ribombar de um tambor, ou, simplesmente, a harmonia, o caos e o apaziguamento sugerido por todos em conjunto. Ao poder das imagens a que a música e letras de The Wall me introduziu seguiu-se, naturalmente, a curiosidade - misto de temor e fascínio - por mundos distópicos como os de Orwell em 1984 ou de Huxley no Admirável Mundo Novo, assim como pelos irreversíveis traumas que uma educação repressiva (na escola ou em casa) podia provocar.

Se era ou não areia a mais para a camioneta de um rapazinho de 12 anos, não o sei avaliar hoje aos olhos de então. Sei, sim, que talvez tenha sido o princípio da primeira relação duradoura e estável que tive fora do meu círculo familiar. Tão estável e duradoura que ainda hoje sobrevive. A da minha relação com a música, mais forte do que nunca. E a da minha dívida de gratidão para com Waters e os Floyd. Certo é que, quarenta anos depois, num tempo em que o Spotify se encarregou de confirmar a certidão de óbito do conceito de "álbum", consigo afirmar, sem exagero algum, que nunca se fez, nem antes nem depois, um concept album como The Wall

E, agora, desafio a Eugénia de Vasconcellos e o Vasco Grilo a virem aqui dizer-nos quais são os 10 álbuns das suas vidas.
 
 
 

2 comentários:

  1. TUFAS! CAGRANDA TEXTO DIOGO!
    Aquele penúltimo parágrafo é de antologia catártica e as referências ao Orwell e ao Huxley brilhantes! Quem disse que não podíamos ler livros para adultos na pré-adolescência? O mesmo se aplica ao The Wall.

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  2. O que agora me deixou em estado de catarse foi o teu comentário, Guilherme. Cheira-me que só vou conseguir recuperar quando te desafiar a ti para nos vires contar aqui as tuas catarses musicais. Vai-te preparando porque não tarda muito.

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