20.04.20
Caro G.
Por enquanto está tudo bem, e vamos, pelas calçadas da
cidade, assim como faziam os filósofos e os sábios, falando dos nossos gatos e
da secreta face do mundo. Tu fortaleceste o gosto de me calar ao amares o meu
silencio. Sem a imagem o que são as palavras? Pedras escorregadias no leito de
um rio, onde dois não cabem e que nos obrigam a avançar o nariz colado aos pés,
sem nada ver do mundo, sem que nada tenha sentido, senão avançar como uma
besta. Vejo muito bem onde vou, onde vamos: eis-nos a acreditar no poder da
palavra, apanhados no seu jogo, em que o dizer é maravilhoso, mas duro e puro
como o exílio, ceifando-nos da vida. A palavra está em nós mesmos, mas estamos
fechados dentro dela. As palavras acabadas de secar no papel, só nos resta à nossa volta a solidão. No final , há apenas a morte nas margens do mar. Tudo é
vazio. Mas nas cinzas das palavras, sei que ainda escreveremos, como as
crianças, com o dedo. Vejo bem que o que nos impele de escrever ou pintar, é o
ingénuo desejo de parar o tempo, para recomeçar a vida na nossa solidão.
Queremos permanecer através dos signos, transformados nos deuses da nossa
imortalidade. O magnifico assunto de durar: uma outra religião. Se não sabemos
viver, aprendamos a morrer. A nossa narrativa é como a fé dos simples, o ruído que fazem os vermes é a sua musica mais segura: somos prisioneiros dos signos
que fazem a corrente entre os homens. Falamos apenas quando no fundo do nosso
silencio e estamos juntos enquanto homens sós.
Mas somos suficientemente sós para ser livres!
A vida é tão pouca coisa, que bem poderíamos retirar-mo-nos
para o nosso quarto e aí inventar o mundo. Repetimos sem fim os mesmos signos
com imagens novas. Pois sim, gostamos o suficiente de viver, encontramos nisso
alguma felicidade, reinventemos então o prazer de escrever e pintar, num quarto
tranquilo. É a nossa ultima vaidade. Como se o único amor possível fosse o amor
de uma ausência! Diz-se que a peste está em todo o lado: cuida bem de ti!
Outrora nunca te teria dito isto tudo.
Desenho de Ana Marchand
Carta de ANTONIO BROCARDO a GIORGIONE em 1510
Ana: fabuloso o seu desenho. Duas perguntas para saciar a minha curiosidade: quais as dimensões reais? o efeito de luz é provocado por uma caixa de luz? Obrigado :-)
ResponderEliminarobrigada Diogo.
Eliminaré uma impressão digital em papel.
dimensões várias.
:-)
ResponderEliminar