17 de maio de 2020

Breve história musical de um rapaz já a caminho de velho


Depois de (1) The Wall, (2) Scary Monsters e (3) Closer, os fundamentos da educação musical do rapaz de 13 anos estavam lançados. Quase tudo o que o rapaz ouviu depois foi herança ou recriação desses três momentos fundadores. E o que veio então depois que ficou para sempre? É isso que o rapaz vos vem aqui apresentar agora: os sete álbuns ilustres sucessores que, para além dos pais instituidores da herança, traz sempre consigo no seu ADN. Do mais velho ao mais novo, entram já de seguida as restantes sete das dez dívidas de gratidão musical da sua vida.  
 

(4) One From The Earth, Tom Waits / Crystal Gayle (1982) – O rapaz só o descobriu na década de 90, tal como o extraordinário filme homónimo (de que é a banda sonora) de Francis Ford Coppola, mas foi bem a tempo de curar as suas dores de amor. Acha o rapaz que não há homem ou mulher com história sentimental que se preze que nunca as tenha tido. O rapaz não foi exceção e foi salvo pelo One From The Earth, no qual procurou consolo quando nada mais lho dava.
 
 
(5) It´ll End In Tears, This Mortal Coil (1984) – Companheiro noturno inseparável do rapaz ao longo de cinco anos de exames durante o Curso de Direito. A licenciatura é tão dele como de Ivo Watts-Russell, dono e responsável da 4AD, que reuniu as bandas e os nomes emblemáticos da editora (Cocteau Twins e Dead Can Dance à cabeça) e mais alguns convidados para montar o projeto This Mortal Coil, com o qual, além deste It´ll End In Tears, fez ainda dois outros maravilhosos álbuns (“Filigree & Shadow” e “Blood”) que também aqui podiam estar. Ainda hoje, quando perguntam ao rapaz que canção levaria para uma ilha deserta, continua a responder “Song To The Siren”, na versão aí cantada pela Elizabeth Fraser.
 
(6) Disintegration, The Cure (1989) – O último grande álbum dos The Cure, a banda que fez do rapaz um rapaz de tribo. Ainda hoje o rapaz não ouviu nenhuma guitarra, ou qualquer outro instrumento, que conseguisse replicar o som que Robert Smith arranca da sua Fender Bass. Depois dos Joy Division, foi com o som sombrio e atmosférico dos Cure e dos Echo & The Bunnymen que o “eu” do rapaz se partiu em dois: a partir daí, foi toda uma vida repartida entre o “mainstream” a que o convívio social e as saídas noturnas o obrigavam e o sentimento de pertença a uma “tribo” definida por afinidades musicais quase do domínio da clandestinidade. Os Cure acabaram por vir em seu socorro com canções que, com o tempo, se tornaram êxitos “mainstream” de pistas de dança. Está aqui Disintegration como podiam estar outros anteriores como “Seventeen Seconds”, “Head On The Door” ou “Kiss Me, Kiss Me Kiss Me”: os Cure foram (ainda são), sobretudo, uma banda de grandes canções, mais do que de grandes álbuns.



 
(9) Kid A, Radiohead (2001) – Um dia, o rapaz há-de aqui vir contar a história de como assistiu em direto, nos primeiros meses de 1997, à estreia mundial de “Ok Computer”, outro álbum dos Radiohead que ficou para a História. Encostado ao balcão do Paradise Garage, não imaginava, ele e mais umas quantas dezenas que lá estavam, a importância que iriam ter aquelas canções nas duas décadas vindouras. Mas, depois do luminoso “The Bends” e do emblemático “Ok Computer”, foi Kid A, quatro anos depois, que abriu as portas do futuro ao rapaz. Este, o futuro, já tinha muitas imagens de filmes e de livros na cabeça do rapaz. Só faltava a banda sonora. Em 2001, Kid A (tal como o igualmente notável “Amnesiac” no ano seguinte) anunciava o futuro, e em 2020, já o rapaz vai a caminho de velho, continua a anunciar o futuro. E desconfia que daqui a 20 anos, se ainda lhe restar lucidez para isso, continuará o rapaz já velho a dizer o mesmo.
 
 
(10) Sound of Silver, LCD Soundsystem (2007) – A síntese perfeita entre o velho e o novo, entre o rock (afinal continua bem vivo) e a eletrónica, entre o experimentalismo e as pistas de dança, entre os sons do mundo e a herança ocidental. Veio renovar o stock das canções que o rapaz traz na ponta da língua. E, se para uma ilha deserta levaria o “Song To The Siren”, a canção que tem reservada para o momento de celebração que um dia chegará é o “All My Friends”.

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