26 de junho de 2020

DESTEMIDAS? SIM, OBRIGADA




Destemidas é o bom título português de Les Cullotées, inicialmente uma tira de BD, criada por Pénélope Bagieu, no blog homónimo do Le Monde, sobre trinta mulheres admiráveis que ousaram mudar o mundo. Mulheres destemidas. Depois do sucesso das tiras, o sucesso em livro, publicado pela Gallimard, e amplamente traduzido. Premiado. Por fim, a série da France Télévision, apoiada pelo Programa de Media da União Europeia.

Foi esta série emitida pela RTP 2, com este conteúdo, que viu o episódio sobre Thérèse Clerc transferido do espaço online infanto-juvenil Zig-Zag para a RTP Play após queixas de tele-espectadores ao Provedor da RTP e à Entidade Reguladora para a Comunicação Social, tendo o Partido Renovador Democrático anunciado já uma queixa-crime contra a RTP.

O que desencadeou a fatwa ultra-conservadora foi o percurso de Thérese Clerc, de católica e casada a marxista, divorciada e lésbica, activista. Feminista. Não sendo demais referir que foi a marxista, divorciada, lésbica, activista quem se insurgiu contra a violência doméstica, a criminalização do aborto, e quem abriu a primeira universidade sénior, quem lutou pelos direitos LGBT. Mas tudo quanto fez desaparece diante de um beijo na boca. A uma mulher. E se afunda na luta pelo direito ao aborto.

Sendo eu católica, essencialmente conservadora, de um PSD que, por vezes, me dá vontade de voltar ao socialismo utópico da minha destemida avó, ateia, e defensora do aborto e da condenação efectiva de quem batia em mulher e filhos, devo dizer que muito me surpreende que a homossexualidade, a religião e o aborto, liberdades constitucionalmente garantidas por este Estado de Direito em que vivemos, possam ser consideradas matéria imprópria e censurável, por muito que possam, e em simultâneo, ser práticas inaceitáveis para pessoa A ou B, no exercício da sua liberdade de escolha pública ou privada. Cito:

«O programa infantil da RTP2 promove aborto, divórcio e homossexualidade. Segundo a Rádio Televisão Portuguesa (RTP), ‘o Zig Zag é o espaço infantil da RTP dedicado a crianças entre os 18 meses e os 14 anos’. Neste programa, que mostramos, é escandalosa a defesa e promoção do aborto, conseguido como uma vitória, e não uma derrota, para a sociedade, como se a morte de um bebé inocente pudesse ser uma coisa boa. Faz-se, também, o elogio a uma mulher, com 4 filhos, que sai de casa para ir viver com outra mulher. O ódio ao Catolicismo percorre o vídeo inteiro

A democracia permite a divergência. E exige por junto com a liberdade, responsabilidade. A Associação das Famílias Conservadoras tem direito a expressar a sua opinião, esta supra-citada, ou qualquer outra. Não tem, no entanto, o direito de impor a sua visão do mundo ao mundo, o direito de ver as suas pretensões censórias conseguidas. Não creio que o papel do Provedor da RTP seja o de facilitador e consolador de ultra-conservadores. Muito menos o de lápis azul.  

Destemidas? Sim, obrigada.


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