9 de junho de 2020

Precisamos de dizê-lo



Há momentos assim, em que precisamos de dizê-lo. Mesmo que não tenhamos a quem dizê-lo. Ou que não saibamos dizê-lo ou como dizê-lo. E mesmo que aquele ou aquela a quem queremos dizê-lo não mereça ouvi-lo. Como Lisa (Joan Fontaine) o disse ao ingrato Stefan (Louis Jourdan) na mais bela carta de amor que o cinema alguma vez escreveu, pela mão daquela “desconhecida” de Max Ophuls. E precisamos de dizê-lo ainda que tenham já tenham passado cinquenta e três anos, sete meses e onze dias desde o primeiro momento em que precisámos de dizê-lo sem o conseguir, como o fiel Florentino Ariza o disse à eterna Fermina Daza naquele amor em tempos de cólera que Garcia Marquez fez resistir a toda uma vida feita também, também, de desamores, de muitos desamores. E ainda que não saibamos se é amor aquilo que queremos que o seja, aquilo de nos deixarmos enamorar, quando já ninguém usa a palavra enamorar, por uma simples imagem refletida numa janela. Numa janela de um comboio, naquele amor “sem apelidos e com nomes falsos” inventado por Jacinto Lucas Pires em “Sombra e Luz”. Ou numa janela de um computador, por uma imagem com aura de obra de arte, uma imagem tão bela que a nossa imaginação transforma na promessa de eternidade que o amor mais perfeito e indestrutível, o amor pela ideia de amor, comporta. Precisamos de o dizer sem saber porquê, apenas porque sim, e ainda que nos sintamos mais desconhecidos do que Lisa o era para Stefan.

E precisamos de o dizer como Cazuza e Bebel o disseram. Sem rodeios, de uma forma tão infantil e lamechas que sintamos todo o peso do ridículo de que falava Pessoa a abater-se sobre as nossas palavras. Só assim saberemos que dissemos exatamente aquilo que precisávamos de dizer.

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