cemitério delle Fontanelle ,Napoli
Sempre que vou a um funeral penso como será o meu. Nunca
falha. Seja de quem for.
Por muito que me tente concentrar em quem partiu, lá volto
ao relambório do costume: basílica cheia ou ermida discreta? Caixão de mogno ou
caixão de pinho? Serão partilhados testemunhos, mais ou menos verdadeiros? Só
espero que não me exibam em fotografia, que sou muito melhor ao vivo. Banda
sonora de fazer chorar um penedo ou aquele silêncio que incomoda? Virão amigos,
virão inimigos? Virão desilustres conhecidos e ilustres desconhecidos? Virão de
perto, virão de fora? Trocarão cromos, anedotas e insólitos? Era um
profissional de mão cheia, uma alma como já existe, um homem com H grande. Era
o vizinho que não pagava o condomínio, o animal que não sabia reciclar, o
cretino que estacionava em segunda fila, trancando os matinais. E quem era afinal
mais amigo, quem conhecia há mais tempo, quem era o companheiro de copos e
bola, quem era o fiel depósito das suas confidências inconfessáveis? Quem
vencerá este concurso, ganhando lugar debaixo do canto do meu caixão e levando
para casa uma nódoa negra no ombro? E no final, haverá sol e poeira ou cairá um
dilúvio de fim de mundo, deixando tudo limpinho, como eu gosto?
Na realidade, venha quem vier, estarão todos a pensar no
seu próprio funeral. Cada um virado para o seu umbigo, empurrando o tempo para
longe, quase desejando regressar ao útero materno. Sob o olhar terno da Nossa
Senhora de serviço, baixando os olhos à solidão do Cristo ao frio na sua cruz e
com um pavor de morte de quem nos virá buscar.
Gosto deste cheiro a incenso, a fato de domingo e à laca
dos cabelos armados das senhoras. Traz-me de volta aos pés o frio do chão de
pedra, temperado pela madeira que nos recebe os joelhos. E aquela gota dura de cera no banco que a
nossa unha não consegue largar, aquela comichão urgente. O hálito que deixa a
hóstia. E o estalo daquela bengala que escorrega sempre, assustando os fiéis, castigando
o silêncio, interrompendo a oração. E as janelas coloridas e o teto lá tão alto.
Não lembrava de ser tão alto. Estou deitado. Rodeado de
flores. Só vejo os meus sapatos, os bons e com um laço tão bem dado.
Ah, já percebi.
Já não preciso imaginar como vai ser. Sejam bem-vindos ao
meu funeral! E se me permitem, deixo, e de borla, um conselho: não vale a pena
pensarem no vosso.
imagem Ana Marchand
texto Ana Monjardino
A mim dá-me para fazer bandas sonoras para o meu. Mas só na minha cabeça, não as passo a ninguém. Não vá o diabo apoderar-se delas. Vade retro.
ResponderEliminarHá tanto tempo que não pensava no meu que dei comigo a perceber que já tinha morrido.
ResponderEliminarRenasceste então?
ResponderEliminarPresente!
Eliminar