25 de outubro de 2020

os medos também têm Mãe




 Um dia, num tempo mal-arrumado na memória, um filho mais novo foi mandado ao mercado pela Mãe. Entre cá e lá, havia floresta. Com as suas sombras e restolhos. Queria tratar do recado e ver as coisas que só se encontram no mercado. Depois do mano velho e dos do meio, chegara a sua vez. Mas a floresta tinha as suas sombras e restolhos e ele só teria consigo o seu cesto. Vazio para lá, cheio para cá, mas só um cesto.

Vendo o filho mais novo parado à porta de cesto na mão, a Mãe perguntou porque tardava a ir.

“Os monstros existem, Mãe?” perguntou-lhe de volta o filho, olhando em frente.

“Existem, se acreditares neles.” respondeu a Mãe, retomando a costura. 

“E vivem na floresta, nas suas sombras e restolhos?” perguntou-lhe de volta o filho, olhando à roda.

“Vivem onde queres que estejam. Chamam-se Medos.” respondeu a Mãe, medindo o pano da bainha.

“Tenho medo dos Medos. E a Mãe?” perguntou-lhe de volta o filho, olhando para os sapatos.

 “Escuta com atenção, meu filho. Quando atravessares a floresta, pisando as suas sombras e restolhos, se vires um monstro, não fujas. Corre para ele e ele desaparecerá." respondeu a Mãe, cortando o fio com os dentes. 

"Mas" perguntou-lhe de volta o filho, olhando para ela "e se o monstro fizer a mesma coisa e correr para mim? É que se os Medos existem, então também têm Mãe”.

A Mãe picou o dedo na agulha, mas sorriu. O seu filho mais novo crescia. 


texto Ana Monjardino

imagem Ana Marchand 


 

 

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