11 de outubro de 2020

SAVE THE DATE | João Rosa Narciso | Abertura a 24 de Outubro | Galeria Diferença, Lisboa

























JOÃO ROSA NARCISO

Com duas pedras na boca

Galeria Diferença, Lisboa

O artista João Rosa Narciso (1996, Rio Maior) realiza a sua primeira exposição individual, intitulada Com duas pedras na boca, na Galeria Diferença, entre 24 de outubro e 21 de novembro de 2020.

A exposição é constituída por peças, desenhos e pinturas de diferentes proveniências e materiais, nomeadamente: pedras encontradas, objetos de barro, tela pintada, vidro pintado e papéis post-it desenhados a grafite. À primeira vista, esta multiplicidade de origens e formas pode fazer notar diversas frentes ainda dispersas e voláteis no corpo de trabalho que o artista têm vindo a desenvolver no escasso tempo que o separa desde a formação em Design, realizada na University of the Creative Arts, em Londres em 2016-2019. No entanto, de facto, a complexidade parece ser de outra ordem. Se nos debruçarmos, literalmente, sobre as obras expostas, a pequena dimensão das mesmas assim o exige, podemos verificar uma linha consistente e unificadora entre elas. As palavras, escritas sempre com o mesmo tipo de letra, estão presentes em quase todas as obras da exposição. Para se ser mais correto e preciso, as obras são construídas através destas palavras, ou seja, as letras que constituem as palavras são elas próprias desenhos que ocupam o espaço bidimensional ou tridimensional em que são apresentadas. Também os materiais onde as palavras são escritas têm relevância: o vidro é frágil, as pedras fortes, os post-it para não esquecer. Esta premissa é uma questão formal. A fonte da letra é manual e encontra-se esborratada e suja. Esta caligrafia, apesar de seguir uma coerência, remete para o que se ensina quando se aprende a escrever e é de entendimento fácil, mas com espessura, o que talvez seja uma referência à formação do artista ou esteja em confronto com fontes usadas no Design Gráfico. Esta caligrafia permitirá não só compor um desenho que ocupe o espaço que lhe foi atribuído e dificultar a leitura, mas também revelar algo que pode ser visto como uma premissa conceptual e que se forma como unificadora da obra. Neste sentido é necessário indicar quais as palavras ou frases representadas: Post poetic dreams; Noites Brancas; testamento; police kills in 2020; america is burning;  Regicídio; Military Dreams, Artist as Athlete; peting the working class; dreams on Revolution; “apagar história”???; Bio Politics; banho de água cheia; pés no chão frio; abaixem lá a bola oh bófias, caralho pá!!! e tu também; eu tinha que ser artist”; nostalgia for the present; Exodo Urbano; fast parenting; talento; unnoticed; digital black face; forguetful; és um porco racista; Mindful Vandalism; mijo amarelo escuro; pandemic dreams; disgraced monuments, cheio de fronteiras; post quarentine Love; Mau Aspecto; Post social trauma. Ao refletir sobre o significado de muitos destes conceitos nota-se não apenas a contemporaneidade de tais ideias, como também a pertinência contestatária e revolucionária que deles advêm.

Ao unificar as questões formal e conceptual a obra de João Rosa Narciso revela-se na pertinência de atirar pedras ou palavras com a boca. Através do arremesso de arte, ou de objetos artísticos, é possível situar o seu lugar de presença, da sua voz e da sua fala, num mundo cada vez mais estranho e opressivo, em que o poder reside omisso e invisível. Neste sentido, a revolução tem que ser feita nas manifestações de rua e nos desacatos com a autoridade. Não é possível omitir que grande parte das obras aqui apresentadas foram realizadas em tempos de pandemia da COVID 19 e em tempos de quarentena obrigatória determinada pelo estado de emergência decretado pelo estado. Como também não é possível esquecer que a voz e as palavras serão, porventura, a expressão limite da liberdade e da independência individual e coletiva. A força das palavras é questionável na medida que o seu isolamento torna-as mais visíveis e legíveis para que se possam fazer ver e ecoar na cacofonia do quotidiano.

Outubro 2020

Hugo Dinis


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