“Obrigado
Bruno por ter sido a primeira cona a quem ligaste”, disse a boca linda da Jéssica
Athayde no último episódio do talk-show que o Bruno Nogueira a.k.a. Corpo Dormente, fez no Instagram todas as noites desta quarentena. Mais tarde, da varanda de um
prédio iluminado com luzes de Natal, um gajo gritou à cidade e ao mundo “Eu
gosto e cona”. Quem não gosta, pensei, apenas para mim, sabendo bem
tratar-se de uma generalização politicamente incorrecta. O Bruno parecia não
ouvir os agradecimentos, ou se os ouviu não reagiu nem disse coisa com coisa, assoberbado pelo banho popular, o cortejo de seguidores na velha
realidade sem mediação de écran, ao volante de motas e carros pela marginal,
pela A5 e pelas ruas de Lisboa, onde, em pleno Marquês, praça de muitas coroações,
uma ambulância do INEM acendeu as luzes e proclamou pelo megafone, “Bruno és o
maior”.
Dia 15
foi o último episódio do Corpo Dormente e foi também a coroação de um novo rei
da comédia e do entretenimento. Só pode
haver um rei. Já foi o Herman, hoje uma espécie de rainha mãe que muito acarinhamos,
fazendo votos para que viva nos écrans pelo menos até ser muito velha. Já foi o
muito grande RAP, durante um reinado de dez anos; talvez não tanto um rei, mas um regente tão talentoso quanto habilidoso a mover-se nas cortes ao
serviço do status quo: as velhas televisões, os velhos políticos, os velhos
anunciantes e os velhos intelectuais, enfim a nobreza e o clero do regime.
Dia 15,
com parada e aclamação popular pelas ruas da cidade, luzes de Natal nas janelas
e cartazes na rua a dizer Cona a bold, com a bênção do Ronaldo e, finalmente,
rodeado do seu séquito no Coliseu, o palácio dos espetáculos, o Bruno Nogueira
foi entronado com novo soberano da comédia e do entretenimento, perante uma
audiência móvel de 170 mil seguidores.
Os
lives do Corpo Dormente foram muito bons muitas vezes. Tinham todas as
características de um talk show—genérico, convidados regulares do mundo das
artes e do entretenimento, product placement, músico residente, anfitrião—mas não
era um talk show daqueles farsolas, das televisões; não tinha nada dos tiques,
dos clichês e convenções do costume. Todos os tiques eram pessoais, divertidos
e sem tabus. Falou-se de tudo, usaram-se todas as palavras que usamos no
quotidiano, todo o nosso bonito e bruto vernáculo, viram-se cus e pichas enfeitadas
de árvores de Natal e falou-se muito e regularmente de cona. Foi um talk show feito
neste tempo e para esta geração, que vive noutro mundo, com outros instrumentos,
outro vocabulário e com outra liberdade de expressão possibilitada pela efemeridade
do suporte.
Para
além do Rei da comédia, é justo referir-se o magnífico elenco de suporte: entre
outros, o grande Albano Jerónimo, talentosíssimo actor e senhor de um belíssimo
rabo; o simpático Martinha; o Manzarra a fazer de parvo, personagem que lhe
assenta como luva; as desbocadas e enérgicas Beatriz Gosta e Inês AP; o Bukowsky
do comentário e do humor, João Quadros; e o perfeito sidekick do Bruno, o
velho, triste e embaraçoso palhaço pobre chamado Nuno Markl. Todos disseram e
fizeram tudo como os malucos, porque nada ficou gravado para memória futura, a
não ser na nossa. Agora, acabou-se. Quem não viu, já não vê. Acabou-se, como é
do protocolo das coisas boas e pecaminosas: os verões, as sobremesas, as boas
garrafas de vinho, os amores e de tudo o que bom.
Há quem
não tenha gostado, como é normal. Há quem não goste de vernáculo e, em
particular, da palavra cona, o que também é normal. Há mesmo quem não goste de
cona, o que também não deixa de ser normal. Mas que ela foi desconfinada,
arejada e posta a circular urbi et orbi durante esta quarentena, foi.
Long live the new king of comedy.
9. Acabou-se faz tempo
8. Acabou-se o velho capitalismo
7. Acabou-se o desodorizante
1-6. Acabou-se (semanário)
8. Acabou-se o velho capitalismo
7. Acabou-se o desodorizante
1-6. Acabou-se (semanário)
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