Há nove
semanas à espera que os Alíseos soprem. Em redor, hoje, como ontem e anteontem,
só azul. A minha companhia é repetitiva, as mesmas palavras, os mesmos
pensamentos, os mesmos vícios de pensamento, os mesmos silogismos, conclusões,
alucinações, o mesmo eu. Não sinto a corrente. Tudo parece igual. Tudo é igual. Há uma
corrente, sei-o, mas não o sinto. Não fossem os peixes voadores…
E ainda
assim não tenho saudades de quase nada. Nem das rotinas do quotidiano,
momentaneamente a balançar suspenso à espera de ventos e correntes, nem do velho
passado celebrado ad náusea na velha rádio que, por vício, ligo. Nada me irrita
tanto quanto a celebração do antes é que era bom, dos bons velhos tempos, da
música da juventude, dos Glory Days que cantava o Bruce Springsteen. Dos portos
zarpados faz tempo. Desprezo,
como absolutamente reacionários, os programas das emissoras nacionais onde os
DJ partilham a sua juventude em forma de banda sonora e memória de televisão; como
se uma e outras tivessem algum interesse, fizessem falta; música farsola, que
acompanhou roupas farsolas, programas de televisão farsolas que, já então, eram
maus. E desprezo a nostalgia política que enche as conversas em rede, promovida por locutores políticos, DJs
do sound bite: sound biltres: o socialismo Che Guevariano, o fascismo
desenterrado da vala comum e o vampirismo Thatcheriano.
Não
entendo a nostalgia, não a sinto. Talvez, do mesmo modo que alguns têm defeitos
no centro da fala ou da locomoção, eu tenho um defeito na ligação entre o
centro da memória e o da emoção. Pode ser que a identidade de uma pessoa,
quando é construída durante a adolescência e juventude, seja marcada pela
banda sonora da época, pelas roupas, penteados e ideias que usou quando era
nova; e assim, muitos desses hábitos e gostos anacrónicos se mantenham. Comigo
não resulta. Saudades tenho, nostalgia não. Saudades tem-se do que morreu, não
do que se desenterra.
Do
passado, do meu passado social, só sinto falta do velho Pap’Açorda. Mais agora,
que a oferta de restauração é vasta e variada, e quase sempre pretensiosa. Sinto
falta do bom gosto dos arranjos florais, do balcão onde me recebiam sem
salamaleques nem falsos sorrisos, da cor rosa, dos lustres, do bruaá sempre
animado, mas nunca excessivo, dos olás, das costeletas de borrego panadas, do
esparregado, das entradas e, como muito bem lembrou o João, da mesa reclusa
junto ao balcão, cheia de amigos uma vez por ano, num almoço que durava até às
quatro da tarde.
Nada do
passado me faz falta. Só o velho Pap’Açorda, com que sonho nesta deriva pelo
azul. Se calhar a minha identidade foi construida com costeletas de borrego panadas e bom vinho.
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